Quando despertares,
já terei partido.
Como o jornaleiro que ao pé da porta
depositou a página do dia,
quando despertares,
já terei partido.
Breve e silente como o breu
que foge abrupto do sol da manhã,
quando despertares,
já terei partido.
E só me deteria se o tempo
parasse diante de mim como um rochedo.
Porém sigo na exata velocidade
da luz com que fui lançado,
estanque como um rio que tivesse secado
e só continuasse a correr nos mapas
em direção à ignota paisagem
em que as lágrimas evaporaram.
Leve vou daquele amor que transbordava
da tela de qualquer cinema, e inundava o mundo inteiro
nos escalando pelas pernas, troncos, cabelos,
e nos transportando com suas alegrias portáteis
e chegadas ao esquecimento como um guarda-chuva
(embora não houvesse dias de chuva),
mas que era tão esquerdo
que não servia dentro de si mesmo,
e tão inútil que dele nada restou
que servisse de souvenir ou de sabedoria
(embora tornasse o dia mais claro que o dia
e pusesse flores onde flores não havia),
e que era tão ubíquo que, ao expirar,
tudo o que ficou foi a sua falta,
teimosa como uma campainha
e estridente como o sol batendo na cortina
(embora, ao esfregar dos olhos a fuligem do sono,
percebêssemos que em verdade seguíamos dormindo).
Mas se erguerá a hora
escondida na sombra
só para que prossiga.
Um ônibus parará
apenas para que me colha.
E a bocarra do dia me devorará
com minha pátina e minha apática
treva interrompida.
E nada restará da noite a não ser
a pálida beleza da palavra
e um oco atrás dela,
onde o amor não se encontrava,
a sensação de que foi tudo um sonho,
e a noite se dissipando
por trás de atrás da porta
num sonho ainda maior,
pois amanhã nunca tarda
e a manhã sempre acorda.
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